domingo, 18 de janeiro de 2009

A Idolatria do Fenómeno

Não é de hoje o interesse excessivo ou obsessivo pelo fenómeno ou pelo fluir dos fenómenos.
Tudo parece ter começado na Grécia Antiga com o ágil pensamento dos filósofos pré-socráticos; Mas a verdadeira atenção prestada ao fenómeno, em si mesmo (ou aparência) nasce com Heraclito (Sec. VI a V a. C. ), Ser reduz-se à pura sequência de transformações. Ser é ser movimento.
O ser em si é, para outros, substância que se afirma para lá ou “por detrás” do fenómeno. Trata-se, neste caso, de um essencialismo comum às perspectivas socrático-platónica e aristotélica. Esta causa absoluta, a “causa sui” que há-de um dia ser celebrada por Espinosa (século XVII), opõe-se a uma redução do universo das aparências.
Após uma longa época de pensamento filosófico brilhante mas subordinado à teologia, pretendeu-se superar, com o apoio da Revelação bíblica, a materialidade dos fenómenos. Do ainda clássico Sto. Agostinho ao grande sintetizador S. Tomás de Aquino, a afirmação da Prima Causa, não sofre obviamente contestação.
[1]
A Renascença traz com ela a libertação humanística das grandes pressões relativas à tradição, à mitologia e ao mito; breve surgirá o dia em que a própria Sagrada Escritura é posta em causa devido às alegorias, interpolações e roupagens míticas. Durante o século XVIII o génio de Kant (admirador do filósofo escocês David Hume para quem causa e efeito são apenas antecedente e consequente fenoménicos) transformará o fenomenismo em fenomenologia. Isto significa que se aponta para uma “substancialização” do universo racional.
[2]
Na hora complexa de hoje (todas as horas de hoje são complexas) sendo nós herdeiros de um pensamento pós-marxista e pós-freudiano (Foucault, Lacan, Derrida, etc.) “frequentamos” não só toda a espécie de materialismos e biologismos fenomenistas como fenomenologismos e estruturalismos requintados.
[3] Vivemos num estado de verdadeira idolatria do fenómeno; e aceitamos isto com indiferença ao som da frase de Nietsche: “Deus morreu”.
Um evolucionismo mal entendido, de conjunto com a paixão superficial pelas coisas materiais, anula toda a metafísica.
Querem novíssimos cientistas que o homem, em última análise, provenha de poeiras inter-estelares. Será a fé religiosa incompatível com esta concepção? E tornar-se-á impossível fazer intercepcionar a área racional com a área mística?
Por não existir fenómeno sem ser “empurrado” por outro fenómeno, até ao infinito, a “chiquenaude”, o piparote inicial de Descartes, a primeira substância-causa a Quem chamamos Deus, tem claramente o apoio da razão.
Optar pela divindade ou pelo nada absoluto faz parte do livre arbítrio.
Porém, a idolatria dos fenómenos em si próprios parece fundar uma religião do absurdo.



[1] Aliviámos o texto não citando vários pensadores merecedores de tal: S. Boaventura, Duns Scott, Santo Anselmo, Abelardo, Occam, etc.


[2] Não obstante tratar-se de um aspecto da riquíssima filosofia de Kant, não devemos esquecer que foi Husserl, falecido em 1928, o fundador oficial da fenomenologia.


[3] “Grosso modo”, o estruturalismo visa como realidade fundamental a organização; “SER” é ser organizado.

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