domingo, 30 de março de 2008

Nos anos da minha filha Ana

A minha filha nasceu
A vida continuou
Ela é ela sendo eu
Eu nela sou quem não sou


1980

Abertura de Natal

Jamais um Yavé atrofiado
Ou divindade anã
Que sorri;
Mas um menino que cheira a gado
Chora naturalmente
E faz chi-chi

A nova claridade tem um nome
Em Belém da Judeia:
Um Salvador que passa frio e fome
Não um altar distante ou uma ideia


1973

ao meu neto Guilherme - II

Agora vão ser teus
Os signos e as cores
Com a letra de Deus


Passam de mim para ti
Os instantes, as eras
Os sóis e os abismos

Todas as primaveras


1994

domingo, 16 de março de 2008

Manhã de Novembro

Está uma manhã para todos os poemas
porque não escrevo um?
com redodendros, pássaros, instantes
e amor que só há um?


Está o dia e a hora para o verso
porque não escrevo um?



É que a palavra morre com o vento,
e ser, não há nenhum


1994

Juventude feliz das minhas sensações

Juventude feliz das minhas sensações
corpo que reflecte o respirar do mundo
nasço para a vida como a vida me nasce
da grande pulsação, das plantas actuais.

Ao alto o céu de nuvens
Ao fundo três montanhas
ondulando inquietas.

Dentro de mim não coisas
mas estradas pr'as coisas

não importo,
nem fico.

Isolados nos ramos
cantando sempre
os pássaros

1956

Momento (VIII)

Ar por mim percorrido
Sem a mágoa da luta
Do esforço ou do dilema.


Neste lado do tempo interrompido:

o poema



1976

Velho que incomoda o espaço

Velho que incomoda o espaço
Que mesmo espaço não tem
Velho que lembra o abraço
De brisa que já não vem

A cabeça flor de nada
Sobre um caule quebradiço
Quem sabe a história contada
Suicida-se antes disso

1980

Soneto Branco

Tarde chegou o teu sorriso de oiro
Tarde ganhei tua cabeça jovem
Bebido o tempo, respirada a vida
Não existe e não matei a sede.

Tarde chegu a tua voz alada
Porquê agora o gesto da nascente
Água jorrando do olhar sem sombra
Na verde terra desistida já?

Soluçar no papel estas palavras
É vestir o defunto, dar-lhe flores
É orquestrar suite de silêncio

Esculpir na cinza da sílaba tónica
O passado da hora que habitou
Apenas na revolta do desejo

1990