domingo, 3 de maio de 2009

A Folha

Verde e pontual
Rebentou outra vez
Num gesto de alegria.


Ressureição não é
declara
A sábia biologia.


Cintila serrilhada
No seu desenho etéreo.


Cresce
indiferente ao homem
que lhe nega o mistério.

domingo, 1 de março de 2009

Momento II

Sol descendente
ri no teu cabelo
em tarde Novembro

Todos nos suportamos
Não amamos

Mas hoje o sol-poente a rir no teu cabelo
interrompe a corrida para a morte

Brilha no teu cabelo
em tarde de Novembro
a falsa paz
o falso início.


Década de 80

domingo, 18 de janeiro de 2009

A Idolatria do Fenómeno

Não é de hoje o interesse excessivo ou obsessivo pelo fenómeno ou pelo fluir dos fenómenos.
Tudo parece ter começado na Grécia Antiga com o ágil pensamento dos filósofos pré-socráticos; Mas a verdadeira atenção prestada ao fenómeno, em si mesmo (ou aparência) nasce com Heraclito (Sec. VI a V a. C. ), Ser reduz-se à pura sequência de transformações. Ser é ser movimento.
O ser em si é, para outros, substância que se afirma para lá ou “por detrás” do fenómeno. Trata-se, neste caso, de um essencialismo comum às perspectivas socrático-platónica e aristotélica. Esta causa absoluta, a “causa sui” que há-de um dia ser celebrada por Espinosa (século XVII), opõe-se a uma redução do universo das aparências.
Após uma longa época de pensamento filosófico brilhante mas subordinado à teologia, pretendeu-se superar, com o apoio da Revelação bíblica, a materialidade dos fenómenos. Do ainda clássico Sto. Agostinho ao grande sintetizador S. Tomás de Aquino, a afirmação da Prima Causa, não sofre obviamente contestação.
[1]
A Renascença traz com ela a libertação humanística das grandes pressões relativas à tradição, à mitologia e ao mito; breve surgirá o dia em que a própria Sagrada Escritura é posta em causa devido às alegorias, interpolações e roupagens míticas. Durante o século XVIII o génio de Kant (admirador do filósofo escocês David Hume para quem causa e efeito são apenas antecedente e consequente fenoménicos) transformará o fenomenismo em fenomenologia. Isto significa que se aponta para uma “substancialização” do universo racional.
[2]
Na hora complexa de hoje (todas as horas de hoje são complexas) sendo nós herdeiros de um pensamento pós-marxista e pós-freudiano (Foucault, Lacan, Derrida, etc.) “frequentamos” não só toda a espécie de materialismos e biologismos fenomenistas como fenomenologismos e estruturalismos requintados.
[3] Vivemos num estado de verdadeira idolatria do fenómeno; e aceitamos isto com indiferença ao som da frase de Nietsche: “Deus morreu”.
Um evolucionismo mal entendido, de conjunto com a paixão superficial pelas coisas materiais, anula toda a metafísica.
Querem novíssimos cientistas que o homem, em última análise, provenha de poeiras inter-estelares. Será a fé religiosa incompatível com esta concepção? E tornar-se-á impossível fazer intercepcionar a área racional com a área mística?
Por não existir fenómeno sem ser “empurrado” por outro fenómeno, até ao infinito, a “chiquenaude”, o piparote inicial de Descartes, a primeira substância-causa a Quem chamamos Deus, tem claramente o apoio da razão.
Optar pela divindade ou pelo nada absoluto faz parte do livre arbítrio.
Porém, a idolatria dos fenómenos em si próprios parece fundar uma religião do absurdo.



[1] Aliviámos o texto não citando vários pensadores merecedores de tal: S. Boaventura, Duns Scott, Santo Anselmo, Abelardo, Occam, etc.


[2] Não obstante tratar-se de um aspecto da riquíssima filosofia de Kant, não devemos esquecer que foi Husserl, falecido em 1928, o fundador oficial da fenomenologia.


[3] “Grosso modo”, o estruturalismo visa como realidade fundamental a organização; “SER” é ser organizado.

domingo, 16 de novembro de 2008

Poema da adolescência (17 anos)

Suprema excelência do Amor
(S. Paulo em I aos Coríntios XIII)

Se eu não tivesse o amor que exalta e que perdoa,
Ainda que eu falasse a língua eloquente
Dos homens ou dos anjos,... seria simplesmente
Como o sino que tine ou o metal que soa...

Sem amor, até mesmo o dom da profecia
É um dom apagado, morto, sem beleza;
Sem amor, possuindo a imensa grandeza
Da Fé que transpõe montes,... eu nada seria...

Mesmo dando o meu corpo ao fogo punidor,
Que proveito teria a alma insatisfeita?
De que serve dar duma forma imperfeita
Se não há gesto meu que exceda o próprio amor?

É um sentimento de anjo,... ignora a vaidade
É sofredor, benigno, não suspeita, não inveja,
Não busca a injustiça, e dos lábios deseja
Somente a juvenil frescura da Verdade.

O amor sabe esperar, o amor sabe sofrer,
O amor tudo suporta e crê, não é leviano;
Púdico, carinhoso, o amor não é profano
Originou a alma, a religião, o ser...

Nem a Fé ou Esperança o chegam a atingir,
Calar-seá a língua, a ciência findará.
Mas o lume do Amor, quem o apagará?
Fogo aceso por Deus, não se pode extinguir!

Soneto da adolescência I (16 anos)


Sombras...Corpo de Cristo... Mãos de Cristo
A dispersarem bençãos nos folhedos...
Luzes... Corpo de Cristo, Mãos de Cristo
A dispersarem divinais segredos...

Ele ainda habita em vós... e Ele não foi só...
O sofredor de mágoas ideais
Que para nos erguer, descendo mais,
Roçou os lábios puros pelo pó...

Não foi só martir não... foi mais ainda:
Foi pregador do dia que não finda
Foi quem chamou à noite nossa irmã...

Preencheu de azul as lívidas lacunas,
Falou ao mar, do púlpito das dunas,
E fez um altar do riso da manhã...

Momento XII

Poemas intentados
Desistida figura
Teclados de rima
Aberta a tua boca

Raíz de árvore caída
Um grito incompleto
Asa quebrada já

Quando gritava o voo

1988

Momento XI

Luminoso é o ar
Porque respiras

Ondula absurda e inefável
O ritmo do teu corpo


1976